Representantes da sociedade brasileira lançaram, nesta sexta-feira, 15/10, o documento "Clima e Desenvolvimento: visões para o Brasil 2030 - Documento de Cenários e Políticas Climáticas", propondo alternativas para um futuro alicerçado no desenvolvimento sustentável, com base na descarbonização da economia, justiça e inclusão social. O texto foi construído a partir das contribuições de mais de 250 especialistas e lideranças de governos subnacionais, além de representantes do parlamento, de organizações da sociedade civil, de empresas, fundos de investimento, coalizões e associações privadas.
O documento busca refletir a contribuição dos diversos atores consultados sobre como aumentar a ambição brasileira, no que se refere às estratégias para enfrentar as mudanças do clima, tendo por base os compromissos assumidos no Acordo de Paris. E traz três cenários:
Cenário de Retomada Econômica (REF - referência): prevê a retomada do desenvolvimento econômico com distribuição de renda, mas sem adotar uma política amigável para o clima: com isso, há aumento do desmatamento até 2023, seguido de queda até 2025 e estabilidade até 2030; o Plano ABC, o Renovabio e programas de mitigação atuais seguem o desempenho usual, sem precificação explícita do carbono nem novas políticas climáticas até 2030; com isso, as emissões de GEE em 2030 são apenas 41% inferiores às de 2005, ficando aquém do compromisso da NDC brasileira para o Acordo de Paris (43%)
Cenário de Retomada e Transição Justa (CMA1 – cenário de mitigação adicional 1):agrega ao cenário REF uma radical redução do desmatamento e aumento da plantação de florestas em áreas públicas e privadas, a partir de 2025; e a precificação do carbono: um mercado de cotas comercializáveis de emissões do uso de energia fóssil e de processos/produtos (IPPU) para o setor industrial; e uma taxa de carbono sobre as emissões do uso de combustíveis fósseis nos demais setores da economia. O preço do carbono cresce até atingir 9,5 US$/tCO2e em 2025 e 19 US$/tCO2e em 2030; 100% das receitas da precificação de carbono são destinadas à redução de encargos trabalhistas e a transferências de renda para evitar perda de poder de compra das famílias mais pobres; políticas setoriais investem mais BRL 92,2 bilhões acumulados (em relação ao REF) em ações de mitigação de custos compatíveis com o preço de carbono em cada período; isto permite alcançar uma redução de 66% das emissões em 2030, em comparação com 2005, em trajetória compatível com o atingimento do objetivo de emissões líquidas zero em 2050, e com o mesmo crescimento econômico, melhor distribuição de renda e criação de 113 mil empregos adicionais em 2030, em comparação com o REF.
Cenário de Retomada, com transição justa para neutralidade climática e taxa anual de desmatamento zero em 2030 na Amazônia e Mata Atlântica (CMA2 – cenário de mitigação adicional 2):agrega ao CMA1 um nível ainda maior de efetividade das políticas parareduçãododesmatamento, que chega a zero na Amazônia e na Mata Atlântica, e para incrementar as remoções de carbono em mais 30% (em relação ao CMA1), em especial nas terras indígenas e unidades de conservação; desta forma, as emissões líquidas do setor de AFOLU (agricultura, pecuária, mudança do uso da terra e remoções) se tornem negativas em 2030; isto permite que as emissões do país em 2030 sejam 82% inferiores ao nível de 2005.
Alcançar os cenários de mitigação adicional formulados acimadepende da ação do Poder Público para eliminar a grilagem de terras, as ações ilegais de incentivo ao desmatamento, reorientar investimentos importantes para infraestruturas de baixo carbono, buscar novos patamares nas políticas públicas de descarbonização e da mobilização da sociedade brasileira para exigir o cumprimento das leis. Nesse sentido, os debatedores consideram que o elemento decisivo será a construção de capacidades sociais e institucionais para avançar rumo à transição definitiva e inclusiva de baixo carbono, em todos os setores e regiões.
Para o Brasil chegar a 2030 com desmatamento zero e a 2050 com neutralidade climática, há um longo caminho a ser construído, saindo da ambição para ação efetiva.
Segundo o documento, uma forma de viabilizar os cenários mais ambiciosos é destravar as finanças climáticas no Brasil, tanto do ponto de vista da transição do sistema financeiro para o de baixo carbono, quanto de financiar essa transição. A criação de um instrumento de precificação de carbono é condição necessária, porém insuficiente, dado o perfil interno de emissões de gases poluentes, embora a tarefa seja de responsabilidade de todas as esferas de governo em parceria com o setor privado.
As recomendações são a somatória de caminhos possíveis, coletivos e mensuráveis para a descarbonização e refletem as diferentes visões sobre as políticas necessárias para alcançar esse objetivo comum, mas não representam, necessariamente, o pensamento consensual de todos os consultados. Para retratar as várias experiências exitosas em curso no Brasil e que servem de parâmetro para a construção de novos rumos, o documento traz, inclusive, um mapa de cases bastante expressivos.
O processo de consultas técnicas e políticas que resultou no documento "Clima e Desenvolvimento: Visões para o Brasil 2030 - Documento de Cenários e Políticas Climáticas" evidenciou que desenvolvimento e descarbonização são complementares e capazes de se potencializar mutuamente quando bem administrados. Mais do que isso, diz o texto, "é desejável que o Brasil realize uma transição para baixo carbono o quanto antes para qualificar seu desenvolvimento e se tornar mais competitivo na corrida climática global".
Os diferentes processos de construção do documento foram coordenados pelo Centro Clima da COPPE-UFRJ, responsável por um Comitê Técnico-Setorial, e pelo Instituto Talanoa, que liderou um Comitê de Líderes sobre Política Climática, trabalho apoiado do Instituto Clima e Sociedade (iCS) e por um conjunto expressivo de organizações, redes e coalizões.
A Iniciativa Clima e Desenvolvimento: visões para o Brasil 2030 écoordenada por um Comitê Executivo que reúne mais de dez instituições da sociedade civil organizada e academia. A Iniciativa conta, ainda, com a articulação de um Comitê Político Externo, que congrega grandes nomes da área ambiental e do setor produtivo. E um Comitê Jurídico.
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