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cop-21Muitas análises já foram feitas sobre o resultado da 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (a COP-21 da Convenção do Clima, UNFCCC na sigla em inglês), realizada em Paris, no mês de dezembro de 2015. Os analistas se dividem na ênfase dos aspectos positivos ou negativos da COP-21. Dentre outros, podemos citar entre os primeiros Viana (2015), Soto (2016) e Azevedo (2016), e entre os últimos Vieira (2015), Boff (2015) e Vianna (2016). Há também os que ressaltam ambos os lados em seu balanço, como Monbiot (2015), Pachauri (2016), Goldemberg (2016), Sirkis (2016) e Veiga (2016).

Há consenso, porém, sobre o novo paradigma consolidado na COP-21, que havia sido lançado na COP-15, em Copenhagen: o estabelecimento de objetivos voluntários pelas partes (países membros da Convenção), um enfoque “bottom-up” em contraste com o modelo do Tratado de Quioto, que estabelecia metas obrigatórias de limitação das emissões de gases de efeito estufa (GEE) pelos países industrializados (integrantes do Anexo I da Convenção do Clima). Em Paris, mais de 190, dentre as 196 partes da Convenção (195 países e a União Europeia) apresentaram metas para limitar suas emissões de GEE em 2025 e/ou 2030, a exemplo do que tinha ocorrido para os países industrializados e os principais países emergentes na COP-15 em 2009, com objetivos fixados para 2020. Este resultado é certamente mais promissor que o regime de metas obrigatórias estabelecidas em Quioto: os Estados Unidos não aderiram a elas, China, Índia e Brasil não tinham um limite de emissões de GEE estabelecido, a Austrália e o Canadá abandonaram o Tratado após terem aderido inicialmente. Simplesmente não foi possível atingir consenso na Convenção do Clima sobre nenhuma sanção ao não cumprimento das obrigações assumidas no Tratado de Quioto nem sobre o estabelecimento de novas metas obrigatórias para as emissões de GEE, aplicáveis a todos os países.

A principal limitação dos compromissos voluntários assumidos em Paris é que eles ainda estão muito longe de serem suficientes para atingir o objetivo principal da Convenção do Clima: estabilizar a concentração de GEE na atmosfera em um nível seguro, que não comprometa a segurança alimentar e permita a adaptação natural dos ecossistemas, dentro de um modelo de desenvolvimento sustentável. É ainda imprecisa a extensão dos impactos das mudanças climáticas em âmbito regional, o que torna difícil definir qual seria exatamente o índice seguro de concentração. Assim, a Convenção do Clima começou na Rio-92 como uma apólice de seguro tomada como precaução diante de uma incerteza perigosa demais. Os Estados Unidos eram muito relutantes a assinar a Convenção, alegando a falta de um conhecimento científico mais aprofundado, mas na última hora acabaram assinando. Mas de lá para cá, os estudos científicos mostraram que os impactos das mudanças climáticas crescem fortemente a partir de um aumento de temperatura de 2ºC em relação à média registrada no planeta antes da Revolução Industrial, quando começou o aumento significativo das emissões de GEE de origem antropogênica pela queima de combustíveis fósseis. Com base neles, foi aprovado na COP-15, em Copenhagen, um limite aceitável de no máximo 2ºC.

Apesar da maioria dos especialistas considerar muito difícil ou praticamente impossível conter o aquecimento global a 2ºC, o Acordo de Paris mencionou também a necessidade de esforços para limitar este aumento da temperatura a 1,5ºC. Este gesto foi criticado pelos que julgam este objetivo irrealista e saudado pelos que consideram imprescindível o dever ético de apoiar a reivindicação dos pequenos países insulares, ameaçados de dever transferir suas populações para outras terras a partir de uma temperatura de 1,5ºC acima da média pré-industrial. Em contraste, para colocar as emissões mundiais de GEE numa trajetória compatível com a estabilização da temperatura do planeta em um nível 2ºC acima do “normal”, o mundo teria de emitir no máximo 40 Gt CO2e em 2030. Porém, se alcançados, os objetivos anunciados até agora, no processo que culminou com a COP-21, levariam a um nível de emissões mundiais da ordem de 55 Gt CO2e em 2030. Esta trajetória tende a permitir que o aquecimento global atinja 3ºC, o dobro do objetivo colocado como desejável no Acordo de Paris. Assim, o Acordo de Paris insta todos os países a revisarem suas NDCs periodicamente, a cada 5 anos, no sentido de uma maior ambição, ou seja, propondo voluntariamente cortes cada vez mais ambiciosos de suas emissões de GEE.

Um outro ponto muito importante, e que pela primeira vez aparece nas decisões da Convenção, é o caminho para se atingir seu objetivo de longo prazo: chegar a um “pico” de emissões globais de GEE o mais cedo possível, e a partir daí iniciar sua queda até se obter o equilíbrio entre as emissões antropogênicas e os sumidouros de GEE. Isto garantiria então a estabilização da concentração de GEE na atmosfera. Quanto mais cedo isto ocorrer, menor será a temperatura de estabilização. O G-7 já havia estabelecido um objetivo de chegar a este equilíbrio até o fim do século XXI. O Brasil também se comprometeu com este objetivo, por ocasião da visita de Angela Merkel ao país em 2015. O Acordo de Paris foi mais além, mencionando a 2ª metade do século XXI como o horizonte desejável, e exigindo que até 2020 todos os países apresentem suas estratégias de transição para uma sociedade de baixo carbono nesse horizonte. 

De todo modo, o principal resultado de Paris é o sinal de que a transição dos combustíveis fósseis para uma economia mundial de baixo carbono desta vez realmente começou e vai acontecer, mesmo se numa velocidade ainda duvidosa. A credibilidade deste objetivo foi reforçada pelo resultado das emissões globais em 2014, quando pela primeira vez elas caíram, mesmo com um aumento do PIB mundial. Mesmo que ainda seja cedo para afirmar que se trata de uma tendência, foi ilustrada a viabilidade do prosseguimento do crescimento econômico mesmo com a redução das emissões de GEE.

Na verdade, o Acordo de Paris, mais do que uma causa, é uma consequência da evolução recente do mercado energético mundial: o rápido aumento da produção de óleo e gás de folhelho (o popular xisto betuminoso) nos Estados Unidos derrubando o preço do petróleo, a redução de custos e crescimento dos investimentos no uso de energias renováveis (eólica, solar e biomassa). Esta tendência, aliada à percepção crescente dos inconvenientes ambientais dos combustíveis fósseis (como no exemplo da poluição atmosférica urbana na China) vem tornando mais atrativos os investimentos em energias renováveis e colocando na defensiva a indústria de combustíveis fósseis. Assim, muda a percepção de que a redução de emissões de GEE da queima dos combustíveis fósseis teria um custo elevado para os países, com perdas de competitividade e crescimento econômico que se traduziriam em piora da qualidade de vida de sua população. Por outro lado, passa a ganhar força a noção dos benefícios econômicos, sociais e ambientais para os líderes na transição rumo a uma sociedade de baixo carbono.

ROVERE, E. L.L, O Brasil e a COP-21.In: VICENTE, M. (Org.). Cadernos Adenauer xvii, nº 2. Mudanças climáticas: o desafio do século. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, agosto 2016, p 7-8. 

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